Esse me fisgou já pelo começo, com nosso herói Xixi Piriá andando solitário pela caatinga, carregando sua mochila abarrotada de utilidades para comércio, e sequer imaginando ser presenteado com um valioso punhal pelo deputado Paulo Santos, mais adiante na história. Engraçado que, em algum momento no passado, lembro de ter lido o capítulo de abertura sem muita atenção... tempos depois, foi exatamente uma nova leitura distraída das páginas que me prendeu e fez continuar.
Umas das coisas que me atraiu no livro foi a narrativa agradável, bem descritiva da região dos Confins, que é basicamente a caatinga árida - que parece um outro mundo, inóspito e romântico, pelo menos do ponto de vista de um cara nunca viajado para fora do Sul.
O enredo, além de de contar as dificuldades da realização da primeira eleição na Vila dos Confins (traições, subornos, estratégias e peregrinações pelas estradas e vilarejos miseráveis) abre momentos muitos interessantes para "causos" contados pelos personagens, o que, imagino, tenha sido a maneira do autor de expandir sua descrição do mundo da caatinga, as pessoas e personalidades, o estilo de vida, humana e selvagem. Temos cobras, piranhas e onças, tudo num clima pescaria-e-cachaça e muita atenção aos truques e artimanhas da fauna, que luta pela sobrevivência e vez ou outra causa problemas aos vaqueiros e seus rebanhos, praticamente proporcionando o surgimento de lendas e contos fantásticos.
A narrativa de Mário Palmério é abundante em palavras e expressões regionais, tornando a leitura exigente para o leitor acostumado à um vocabulário mais simples; mas acredito que não atrapalhe a narrativa, bastando um pouco de interpretação e imaginação, tornando assim a leitura rica e diferenciada... em tempos de best-sellers acelerados, essa leitura é quase uma bizarrice. Mas enfim, eram outros tempos, outros autores e outra cultura. Um bocado de intelectualismo, disfarçado, e regionalismo, esse escancarado desde o começo.
Nenhuma citação por aqui, mas se fosse incluir, acho que seria do capítulo sobre os habitantes do garimpo, vivendo de rapadura, fumo e cachaça, em galpões miseráveis, mas absortos no peneirar das rochas, em busca de ouro, que uma hora ou outro, brilha no meio dos sedimentos do leito do rio.
E é isso! Vila dos Confins, de Mário Palmério. Desconfio que os escritos à caneta na primeira página sejam um autógrafo do próprio autor, o que não é de duvidar, se tratando de um livro da pequena biblioteca de meu pai, essa que já me forneceu tanta coisa e que ainda continuo explorando sem pressa com o passar dos anos - além de ir formando a minha própria, é claro.
Do mesmo autor, localizei ainda Chapadão do Bugre, que promete ser obra igualmente interessante, mas não sei se vou encarar essa sequência... tenho outros livros na fila, e no momento, estou indeciso diante dum monstrinho escrito por autor que já conheço, esse difícil Umberto Eco.
No futuro, retorno à caatinga.
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