quarta-feira, 19 de março de 2014

Cobra-de-fogo

Calafrios! Desconfiança!
Pois foi num dia que nem esse, com essa chuvarada e essa cara sombria, que veio a Grande Escuridão, a noite sem fim que cobriu o pampa em tempos muito, muito antigos...

Primeiro, veio a chuva, que fez os córregos transbordarem, e encurralou os animais no topo das colinas... muitos se afogaram, grande foi a mortandade...

E a boiguaçu, a cobra-grande temida pelos índios, ficou furiosa com a inundação da sua toca, e saiu catando carniça dos bichos afogados - gulosa ela era, mas somente pelos olhos; espremia os corpos mortos até lhes saltarem das órbitas, e assim a cobra ia vagando campos úmidos, aproveitando a fartura de carniça, como príncipe degustando cacho de uva.

E na noite sem fim, os homens, tristes, sem churrasco, só ouviam o canto do téu-téu anunciando a cobra enlouquecida de fome rondando os rebanhos - pois os olhos, apesar de saborosos, não dão sustância, e a boiguaçu foi ficando luminosa, por dentro, um fogo frio como chama azulada, meio transparente, pavoroso de se ver no meio do campo...

Boiguaçu virou cobra-de-fogo, boitatá! E quando finalmente veio o dia, ela já morta, era só fogo-fátuo pra assustar vaqueiro perto dos banhados...

Mas não se engane: chuvarada, quero-quero preocupado, cuida teu rebanho... que a cobra-grande vêm rondando...

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