segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Incenso para pedidos mágicos

"Quase todas as tardes, sentavam tranquilos na borda da floresta, para realizar seus inocentes rituais de elevação e investigação. Fazer planos, rir, fumar tabaco, beber chá. Tirar a sorte nos dados, nas cartas, nas folhas. Procurar pelos sinais mágicos, dispersos pelos cantos menos observados da natureza. Procurar por plantas específicas, comunicar com pequenos animais. E muitas vezes, apenas sentavam para ouvir o vento nas árvores e o passar da luz.

O enorme gramado sumia em meio à barreira de árvores que se erguia alta, depois de uma caminhada de bom tamanho, deixadas para trás as pessoas e cabanas e crianças curiosas.

Nunca entravam na floresta. Ficavam observando, talvez a uma dezena de metros, a muralha verde, alta e ameaçadora, de galhos retorcidos e folhas em movimento. Tons de verde, claros e escuros, e a luz do entardecer filtrada pelas folhas, criando quadros de aquarela vivos. Falando baixo, para não perder os sons  que viessem da distância penumbrosa. Sentados de pernas cruzadas, como monges pacientes, esperando uma mensagem, ou um mensageiro.

As vezes, conversavam ainda mais baixo, sobre as coisas realmente grandes que lá viviam lá dentro. Sobre suas intenções, suas capacidades. Suas naturezas misteriosas. Rumores de tesouros, artefatos mágicos, seres sombrios fugidos de outras terras que vieram se refugiar ali, na grande floresta impenetrável. E então se calavam, mais atentos, pousando cachimbos apagados na relva.

Foi numa dessas tardes, com sombras já longas, que acenderam um tipo estranho de incenso, cuja fumaça soprou primeiro pelo gramado, e depois, com uma mudança suave da brisa, em direção à mata. Foi passeando, infiltrando-se por entre troncos e arbustos. Alguns animais pequenos paravam, farejando curiosos. Outros fugiam.
Um fio de fumaça alcançou, lá dentro da floresta, uma pequena formação de rochas, uma caverna quase natural. Seguiu seu passeio para dentro dessa toca escura e úmida. E então, um fungado alto, um estralo de galhos, e os pássaros se calaram.

Eles continuavam conversando, mais animados hoje: haviam trazido vinho, e bebiam em goles pequenos e demorados. Um dos rapazes, de cabelos encaracolados, passeou com o olhar ao redor do círculo de amigos sorridentes, e fixou-se no floresta lá atrás... alguma coisa...

Lá dentro, uma forma de cor marrom os observava, imóvel como uma estátua.Sua figura se confundia com a casca velha dos troncos das árvores. Eram inconfundíveis, braços magros e longos cabelos sujos.Teria balançado de leve, de um lado pro outro? Seriam dois pontos amarelos no lugar de olhos?
Ele engoliu em seco, e procurou alcançar de maneira natural a taça de vinho lhe era oferecida.Ao mesmo tempo, fixou seu olhar no amigo do lado oposto, o que vestia uma capa com capuz, que lhe ocultava os olhos. Viu que ele estava rígido, subitamente tenso... olhava em sua direção, vira seu olhar assombrado e sabia o que significava.
-Acho que devemos ir agora... deixem o vinho.
Todos os outros ficaram sérios. Funcionara.
Levantam-se, evitando movimentos bruscos, sem olhar para a floresta. Recolheram suas coisas, deixando apenas o incenso, uma garrafa ainda cheia do vinho, e uma pequena sacola de couro. Junto à essas coisas, deixaram ainda um bilhete, cravado no chão com um graveto fino.
E foram embora, a passos lentos.

Na tarde seguinte, as cinzas do incenso jaziam úmidas sobre a relva. A garrafa se fora. A bolsa de couro continha os objetos que haviam solicitado."

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Valhalla Rising

"In the beginning, there was only man and nature. Men came bearing crosses and drove the heathen to the fringes of the earth."

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Wendigo

"Faminto e emaciado, o Wendigo espreita as terras congeladas do Norte. As garras de seus pés formam sulcos na carne da terra, seu hálito fétido se condensa à sua frente, seus dentes se abrem num eterno rosnado. Seu rosto, apenas um crânio envolto em pele, com olhos vazios e presas quebradas, sangue escorrendo de seus lábios rachados, nojentos. Suas mãos tortas se parecem com grandes aranhas pálidas, mordendo braços longos e esqueléticos.
Com três metros de altura, apoia-se sobre pernas semelhantes a brotos de árvores, dobrados e quebrados, que carregam seu corpo para frente numa velocidade apavorante, impossível."

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Nós, as testemunhas da Existência

Você é o deus dos pequeninos seres que compôem você mesmo. E você também é uma pequena parte viva de algo maior que está nascendo, tomando forma a partir da evolução humana.

Somos maiores e mais complexos do que muitas formas de vida neste mundo, mas inevitavelmente, surgirão formas maiores e mais complexas do que nós. Ela já estão aí, surgidas de nossas invenções.
Veja as nossas cidades, grandes aglomerados de seres, como os primeiros seres multicelulares vivendo em comunidade. As ruas agitadas, semelhantes às veias de nosso corpo, transportando materiais diversos de um lugar a outro. Os diferentes pontos da cidade, realizando funções específicas, como nosso órgãos.
E assim também, a relação entre organismos ainda maiores: os povos, as nações, talvez no futuro, entre planetas.


 Não acho que isso seja coincidência: acho que isso tudo segue, de fato, uma ordem, um plano, não instituído por um mapa divino, tampouco planejado antes de tudo,  mas segundo um impulso natural de construir, aglomerar e crescer a partir de pequenas peças. Como se você usasse peças de Lego para construir uma ainda maior. A grande estrutura é feita de tijolos semelhantes à ela mesma. E depois, ela mesma se une a outras para formar algo ainda maior... e assim por diante.

A escada da complexidade vai subindo e a consciência se expande a cada nível "hierárquico". Porém, cada nível permanece; as fundações não podem ser descartadas, e cada porcentagem de zoom revela um micro (ou macro) cosmo em si mesmo. Por isso é que a idéia de hierarquia deve ser considerada com cuidado. Talvez o melhor seja dizer simbiose, uma cooperação entre os diferentes níveis. Todos são intermediários: nada pode ser considerado inferior ou superior no sentido comum do termo, e sim, em graus de complexidade ou arranjo.

O ser humano, ou, a consciência humana, é um degrau desta escada.

Deus nascerá a partir de nós, como dizem os teóricos de uma idéia chamada Ponto Ômega. O terceiro estágio de evolução manifesto nesse mundo é a Noosfera, a esfera dos pensamentos humanos, nascida a partir da Biosfera, a das coisas vivas e em movimento realizando e aprimorando transformações químicas, e essa esfera ainda, nascida do Reino Mineral, dos elementos simples que aí estão desde muito tempo. Em cada estágio, o nível de complexidade aumenta. As estruturas básicas se tornam seguras, e a vida se manifesta em novas formas.

Não me considero propenso a conversões religiosas absurdas; também sempre fui crítico com a imagem do Deus-pai da Bíblia, e com a doutrina de Cristo. Para mim, é uma religião bárbara e sanguinária, baseada num Deus mesquinho e egoísta, que prega a idéia de punição ao livre-arbítrio através do sofrimento, além de espalhar o conceito de Mal Absoluto, isto é, a maldade pela maldade, e um inimigo da humanidade, Lúcifer.

Mas existem muitas outras formas de espiritualidade, formas livres e não-doutrinadas, que parecem estar mais próximas de uma compreensão sensata do universo. Pensar nessas coisas têm me trazido uma nova idéia de espiritualidade, e a sensação de pertencer à algo maior do que eu mesmo, de senti-lo pairando nos limites da compreensão. Algo pretende se revelar nos portões da névoa.

E quanto aos níveis de complexidade, da seta ascendente da matéria-consciência... tenho a louca fantasia de que ela, na verdade, forme um círculo. O caminho.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

Humanidades

 Achando que era preciso se deslocar mais rápido que o vento e a chuva, montaram sobre um animal que pudesse carrega-los estrada afora. E depois, resolveram mesmo andar onde estavam o vento e a chuva, andando em máquinas monstruosas que se jogam pelos ares, ocasionalmente, matando-os às centenas.

E porque resolveram ir ao trono em vez de ir aos pés, construíram complicados artefatos de cerâmica para receber suas sujeiras, e ao mesmo tempo, um complicado sistema de levar a sujeira para bem longe, pois no palácio asséptico do homem, qualquer odor aparece. A natureza agora era suja, cheio de seres invisíveis prontos a corromper sua saúde. Era preciso manter uma santa distância.

E porque suas vidas tornaram-se enfandonhas, tediosas e repetitivas, voltaram-se com gula obsessiva para as artes e a fantasia, lapidando-as ao nível da perfeição para vivenciar histórias mágicas, aventuras, perigos e grandes façanhas... pois cada vez mais isso faltava à vida real.

E porque o solo e o ar e os alimentos perderam seu vigor, exaustos pelos duros trabalhos de produzir sem cessar, passaram a alimentar-se de venenos picantes, falsos alimentos e vitaminas artificiais. Comer tornou-se uma atividade matemática.

De fato, os números agora estavam em toda parte! Limitando, ordenando, registrando, separando e distribuindo. Entre aqueles que os tornaram uma instituição.

E assim por diante. Novas estruturas artificiais feitas para lidar com os problemas das antigas. Camada sobre camada de distanciamento.

E em todas as épocas, poucos dentre eles pareciam se dar conta de que aquele caminho não era único e obrigatório; de que as coisas poderiam ser diferentes. 

Mas afinal... ninguém quer ficar embaixo da chuva, chupando ossos secos.





terça-feira, 13 de maio de 2014

Falece H.R. Giger... mas sempre haverá uma rainha-alien em cativeiro.

Falece o "criador" do Alien.

O primeiro filme que assisti da série foi na verdade o segundo, Aliens - aqui, conhecido como "Aliens - O resgate". Lembro que, na época, ainda jovem e impressionável, a história me era dum pavor fascinante. O menino preso na parede, a descida ao ninho das criaturas, as claustrofóbicas sequências finais, a luta contra a Rainha, tudo isso se encaixava num roteiro de ação brilhante, inescapável, que marcou minha juventude para sempre, me tornou um fã da criatura, da série e por fim, também do gênero - ficção científica e terror. Foi uma dessas obras essenciais que povoaram a minha imaginação em anos já bem distantes, junto com outros clássicos da época, esses que hoje em dia você já começa a assistir com um gosto especial, por serem antigos, parte da sua história... deve ser o que se chama de nostalgia. Eu ainda não estava interessado em saber quem eram os atores, diretores, ou de que ano eram os filmes (mais tarde eu aprenderia que eles já tinham bastante idade na época de exibição), bastava apenas assisti-los de novo e de novo - um prazeroso exercício de imaginação visual, de recontar a história na minha cabeça.



 Foi só muito tempo depois de ver e rever as sequências é que fui conhecer o primeiro filme, num ritual de atenção e curiosidade. Ali está o começo de tudo: a história, o monstro, a heroína, o visual, tudo no ano distante de 1979, a bordo de uma nave sombria que encontra um destino terrível em um planeta ainda mais sombrio.
A bordo do Nostromo. Nave-cargueiro de mineração.

O enredo segue um ritmo marcadamente mais lento. A história toma seu tempo para apresentar a nave, os personagens, e a insólita situação em que os personagens vão se enredando.
O cenário em si é úmido e gotejante, cheio de cantos e sombras, fazendo um paralelo com a criatura... também úmida e gotejante, extremamente resistente e assassina.

E quem fui encontrar no papel do andróide-cientista-psicopata? Ian Holm, o próprio Bilbo Bolseiro, 20 e poucos anos antes. Que legal!


Nessa época de efeitos visuais beirando a perfeição, tomadas super rápidas e câmeras frenéticas, Alien é um alívio, uma beleza de se assistir e ouvir, com cenas espaçadas, lentas, deixando o olho absorver as cores e texturas, a trilha sonora discreta aumentando a sensação de solidão... solidão no espaço.