quarta-feira, 10 de junho de 2015

Introdução ao sistema "Libro Decem Capitula" (trechos)

"Esta é uma pequena introdução ao sistema de magia Libro Decem Capitula, também chamado Iter Decem Gradibus. É traduzido de muitas formas por diferentes estudiosos do ocultismo ao longo dos séculos. "Livro de Dez Capítulos", "Caminho dos Dez Passos" e "Escadaria de Dez Níveis" estão entre as diversas traduções, sempre ressaltada a importância do número 10 disposto sobre um caminho, como um conjunto de dez etapas ou um corpo de ensinamentos com começo, meio e fim."

(...)

"O sistema é antigo como a humanidade. Ainda que seja mais conhecido pelos títulos em latim, sua origem é  incerta e indica raízes no ocultismo do Oriente, e mesmo na pré-história. Os primeiros xamãs de tribos primitivas teriam aprendido seus rudimentos com a mera observação das próprias mãos, durante rituais que provavelmente envolviam o uso de plantas enteógenas, abrindo assim o caminho para a interpretação mágica da anatomia dos dedos, linhas e palmas. Com a abertura do pensamento criativo propiciada pelas ervas alucinógenas, seria possível "ver" um livro que se desdobra ao longo dos dez dedos das mãos, num caminho imaginário extendendo-se no sentido da mão esquerda para a direita."

(...)

"O sistema é comumente simplificado comparando-o a um livro de dez capítulos, por alguma razão sempre indicados pelos números romanos que, dizem alguns autores, aprofundam sua simbologia."

"O mago errante Abdul Alhazred teria estudado esse sistema, muito antes de compôr seu Necronomicon, antes ainda ser apelidado de Árabe Louco. Ele explica, numa fórmula simplificada: dispôe tuas mãos diante de ti, com as palmas voltadas para cima, os dedos mínimos quase se tocando, como se estivesse segurando um livro invisível. Relaxa os dedões e deixa-os apontarem para fora. Começa a interpretar, começando pelo dedão esquerdo. Ele é a planície onde habitas, onde nada acontece. É a vida rotineira, uma terra nua que está germinando os grandes acontecimentos por vir. A seguir, começa tua escalada montanha acima, o início das atribulações, pelo teu indicador. Enfrenta perigo e dúvidas. Atinge o clímax, o desespero, a visão do abismo, no topo da montanha - o dedo médio.
O portal está aberto diante de ti. Te joga, e tua queda é o dedo chamado de anelar, em direção ao Desconhecido. Atinge o fundo da terra desconhecida, desaparece do mundo- essa é a viagem pela Treva, uma jornada em duas etapas, pois os dedos mínimos estão dispostos num par. Pula de um para o outro quase sem perceber: uma mudança sem volta se operou na tua jornada. Ganhaste um novo poder, e com ele, sai triunfante do escuro e dos perigos. Levantas vôo, pelo dedo anelar da mão direita, e atinge novo conhecimento. É a agora rei sob a Montanha, é teu segundo grande momento. Desce do dedo médio, montanha abaixo, pelo indicador direito. As pessoas que te vêem descendo já não podem dizer que o homem que subiu é o mesmo que desce... algo mudou. Volta para o teu povo, para a planície de tua origem, mudado, essencialmente mudado. Esta é a misteriosa alquimia que se desenrola ao longo da vida dos seres, sob múltiplos disfarces e diferentes caminhos, ciclos de estagnação e abalos, nem sempre compreendidos."

A Cosmologia Chinesa*
"O Libro Decem Capitula possui, como dissemos no começo, ligações com o Oriente, em especial com a cosmologia chinesa e seu sistema de cinco elementos naturais. Os cinco elementos são madeira (wood), fogo (fire), terra (earth), metal (...) e água (water). Eles são dispostos nesta sequência citada, em pares, abrangendo as dez posições. Assim, postos paralelamente à sequência de eventos do Sistema, os sábios orientais trouxeram uma nova interpretação da "jornada de dez passos". Ela se converte para a seguinte sequência de eventos:

I. (Madeira) - O plano horizontal, neste novo contexto, ganhou o significado de reunir a madeira.
II. (Madeira) - Começa a ascensão vertical, portanto carregar a madeira montanha acima.
III. (Fogo) - Atear fogo à madeira, grande fogo no topo da montanha.
IV. (Fogo) - O fogo se apaga.
V. (Terra) - Restam apenas as cinzas.Soprar as cinzas, limpar a terra, revelar.
VI (Terra) -Escavar a terra, cometer uma violação profana mas de intenção pura. Encontra-se o metal nas profundezas.
 VII. (Metal) - O metal é trabalhado em um instrumento de poder; a seção referente ao metal pode ser bastante metafórica, referindo-se talvez a um conhecimento apenas interno. O metal serve como símbolo para força, para uma arma de ataque temível, e também como transmutação alquímica, característica da natureza maleável dos metais.
VIII.
IX.A água desce na forma de cascata retumbante.
X. A água desceu seu caminho montanha abaixo, como uma cascata ou um rio caudaloso, atingindo a planície. Fertilização, manifestação de nova vida, alagamento."

*Alguns estudiosos criticam este suposto paralelismo como excessivamente inventivo, fantasioso ou apenas complicado. 


Sexus
"Nesse ponto da leitura, deve ficar óbvio ao estudante que o sistema todo possui uma conotação sexual. O "vale oculto entre as montanhas" tem sido frequentemente interpretado como a região íntima entre as pernas da mulher, e o próprio dedão como um falo que se levanta numa jornada que nada mais é do que o ato sexual, levado ao clímax para depois se deitar novamente. Note-se que o clímax é atingido duas vezes, com um intervalo de relaxamento, uma queda na obscuridade onde o espírito se perde no esquecimento de uma terra misteriosa, onde adquire um conhecimento mágico que lhe permite levantar-se novamente e atingir um segundo e verdadeiro gozo, este agora pleno e dotado de um entendimento superior,  talvez até lhe concedendo poderes sobrenaturais. O Sistema não está distante dos conhecimentos tântricos indianos."

Próximos trechos: dos usos do Sistema - O Sistema disposto em cartas de adivinhação

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Eremita

Certa manhã, acordou num susto e olhou para o relógio.
Que droga. Números.
Números já no começo do dia.
"Números são os cercadinhos do potreiro moderno da sociedade, e nós somos as ovelhas assustadas, perseguidas pelos números."
Fungou irritado e jogou o relógio pela janela, por onde entrava o canto dos pássaros e a luz nascente.

Algum tempo depois, cansou-se do calendário. Jogou-o na cesta de lixo.
Dias da semana, mês, ano. Feriados, datas comemorativas. Matemática enfandonha.
Dispôs seus documentos sobre a bancada, intrigado com a necessidade de tais documentos. Certidão de nascimento pra que? Contar os anos? Pura bobagem.
"Não quero mais saber minha idade."
Concluiu que Idade não existia, Idade era uma invenção boba, causadora de angústias desnecessárias.

***

Descobriu-se perdido na saturação de cores do supermercado. Tinha fome, mas sentia-se numa loja de fantasias. Calorias, colesterol, glicose. Antioxidantes e vitaminas e carcinógenos. Quando foi que comer se tornou um ato tão complicado? Abandonou qualquer comida vinda numa embalagem, comida feita de números e elementos separados. Voltou-se para o açougue e a fruteira, considerou cultivar uma horta.

Vendeu o carro. A bicicleta moderna, de formato ergonômico.
"Percorrer somente as distâncias que minhas pernas podem aguentar, até que a sola do pé precise descansar. Que obrigação tem um cavalo ou uma mula com minhas tarefas humanas? O cão pode correr alegre ao meu lado."
Decidiu que um cajado bastaria para as estradas mais difíceis. Partiu.

***

Em algum ponto da estrada para as Terras Sem Dono, seu calçado começou a incomodar. Apertava seu pé, e afinal, não estava caminhando sobre cacos de vidro ou brasas. As pedras no caminho lhe fariam massagem. Deixou-os na beira da estrada, onde serviriam de abrigo para o primeiro escorpião oportunista.

Decidiu que seria sensato morar no menor espaço possível. Se precisasse de mais do que uma lâmpada para iluminação, é porque já estaria ocupando espaço demais.
Cadeiras, sofá, cama. Geladeira, forno, mesa. Armários e tapetes. Quilos de madeira e quinquilharias. Riu ao pensar que teria considerado a necessidade dessa imensa lista de itens.

Olhou para o cão, o cão deitava-se na relva, com folhas grudadas no seu pêlo. Parecia não precisar de muito mais.

Sentou-se no chão, e dormiu ali mesmo. No dia seguinte, coletou frutas e improvisou um abrigo com folhas e gravetos e rochas. Ponderou sobre as vantagens de viver da luz solar, da água e do vento. Com a idade, vem o discernimento sobre o que se pode deixar para trás.
"Até que nada mais reste do que você chama de si mesmo. O que nos define?" - pensava ele, sentado sobre as rochas.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Incenso para pedidos mágicos

"Quase todas as tardes, sentavam tranquilos na borda da floresta, para realizar seus inocentes rituais de elevação e investigação. Fazer planos, rir, fumar tabaco, beber chá. Tirar a sorte nos dados, nas cartas, nas folhas. Procurar pelos sinais mágicos, dispersos pelos cantos menos observados da natureza. Procurar por plantas específicas, comunicar com pequenos animais. E muitas vezes, apenas sentavam para ouvir o vento nas árvores e o passar da luz.

O enorme gramado sumia em meio à barreira de árvores que se erguia alta, depois de uma caminhada de bom tamanho, deixadas para trás as pessoas e cabanas e crianças curiosas.

Nunca entravam na floresta. Ficavam observando, talvez a uma dezena de metros, a muralha verde, alta e ameaçadora, de galhos retorcidos e folhas em movimento. Tons de verde, claros e escuros, e a luz do entardecer filtrada pelas folhas, criando quadros de aquarela vivos. Falando baixo, para não perder os sons  que viessem da distância penumbrosa. Sentados de pernas cruzadas, como monges pacientes, esperando uma mensagem, ou um mensageiro.

As vezes, conversavam ainda mais baixo, sobre as coisas realmente grandes que lá viviam lá dentro. Sobre suas intenções, suas capacidades. Suas naturezas misteriosas. Rumores de tesouros, artefatos mágicos, seres sombrios fugidos de outras terras que vieram se refugiar ali, na grande floresta impenetrável. E então se calavam, mais atentos, pousando cachimbos apagados na relva.

Foi numa dessas tardes, com sombras já longas, que acenderam um tipo estranho de incenso, cuja fumaça soprou primeiro pelo gramado, e depois, com uma mudança suave da brisa, em direção à mata. Foi passeando, infiltrando-se por entre troncos e arbustos. Alguns animais pequenos paravam, farejando curiosos. Outros fugiam.
Um fio de fumaça alcançou, lá dentro da floresta, uma pequena formação de rochas, uma caverna quase natural. Seguiu seu passeio para dentro dessa toca escura e úmida. E então, um fungado alto, um estralo de galhos, e os pássaros se calaram.

Eles continuavam conversando, mais animados hoje: haviam trazido vinho, e bebiam em goles pequenos e demorados. Um dos rapazes, de cabelos encaracolados, passeou com o olhar ao redor do círculo de amigos sorridentes, e fixou-se no floresta lá atrás... alguma coisa...

Lá dentro, uma forma de cor marrom os observava, imóvel como uma estátua.Sua figura se confundia com a casca velha dos troncos das árvores. Eram inconfundíveis, braços magros e longos cabelos sujos.Teria balançado de leve, de um lado pro outro? Seriam dois pontos amarelos no lugar de olhos?
Ele engoliu em seco, e procurou alcançar de maneira natural a taça de vinho lhe era oferecida.Ao mesmo tempo, fixou seu olhar no amigo do lado oposto, o que vestia uma capa com capuz, que lhe ocultava os olhos. Viu que ele estava rígido, subitamente tenso... olhava em sua direção, vira seu olhar assombrado e sabia o que significava.
-Acho que devemos ir agora... deixem o vinho.
Todos os outros ficaram sérios. Funcionara.
Levantam-se, evitando movimentos bruscos, sem olhar para a floresta. Recolheram suas coisas, deixando apenas o incenso, uma garrafa ainda cheia do vinho, e uma pequena sacola de couro. Junto à essas coisas, deixaram ainda um bilhete, cravado no chão com um graveto fino.
E foram embora, a passos lentos.

Na tarde seguinte, as cinzas do incenso jaziam úmidas sobre a relva. A garrafa se fora. A bolsa de couro continha os objetos que haviam solicitado."

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Valhalla Rising

"In the beginning, there was only man and nature. Men came bearing crosses and drove the heathen to the fringes of the earth."

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Wendigo

"Faminto e emaciado, o Wendigo espreita as terras congeladas do Norte. As garras de seus pés formam sulcos na carne da terra, seu hálito fétido se condensa à sua frente, seus dentes se abrem num eterno rosnado. Seu rosto, apenas um crânio envolto em pele, com olhos vazios e presas quebradas, sangue escorrendo de seus lábios rachados, nojentos. Suas mãos tortas se parecem com grandes aranhas pálidas, mordendo braços longos e esqueléticos.
Com três metros de altura, apoia-se sobre pernas semelhantes a brotos de árvores, dobrados e quebrados, que carregam seu corpo para frente numa velocidade apavorante, impossível."

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Nós, as testemunhas da Existência

Você é o deus dos pequeninos seres que compôem você mesmo. E você também é uma pequena parte viva de algo maior que está nascendo, tomando forma a partir da evolução humana.

Somos maiores e mais complexos do que muitas formas de vida neste mundo, mas inevitavelmente, surgirão formas maiores e mais complexas do que nós. Ela já estão aí, surgidas de nossas invenções.
Veja as nossas cidades, grandes aglomerados de seres, como os primeiros seres multicelulares vivendo em comunidade. As ruas agitadas, semelhantes às veias de nosso corpo, transportando materiais diversos de um lugar a outro. Os diferentes pontos da cidade, realizando funções específicas, como nosso órgãos.
E assim também, a relação entre organismos ainda maiores: os povos, as nações, talvez no futuro, entre planetas.


 Não acho que isso seja coincidência: acho que isso tudo segue, de fato, uma ordem, um plano, não instituído por um mapa divino, tampouco planejado antes de tudo,  mas segundo um impulso natural de construir, aglomerar e crescer a partir de pequenas peças. Como se você usasse peças de Lego para construir uma ainda maior. A grande estrutura é feita de tijolos semelhantes à ela mesma. E depois, ela mesma se une a outras para formar algo ainda maior... e assim por diante.

A escada da complexidade vai subindo e a consciência se expande a cada nível "hierárquico". Porém, cada nível permanece; as fundações não podem ser descartadas, e cada porcentagem de zoom revela um micro (ou macro) cosmo em si mesmo. Por isso é que a idéia de hierarquia deve ser considerada com cuidado. Talvez o melhor seja dizer simbiose, uma cooperação entre os diferentes níveis. Todos são intermediários: nada pode ser considerado inferior ou superior no sentido comum do termo, e sim, em graus de complexidade ou arranjo.

O ser humano, ou, a consciência humana, é um degrau desta escada.

Deus nascerá a partir de nós, como dizem os teóricos de uma idéia chamada Ponto Ômega. O terceiro estágio de evolução manifesto nesse mundo é a Noosfera, a esfera dos pensamentos humanos, nascida a partir da Biosfera, a das coisas vivas e em movimento realizando e aprimorando transformações químicas, e essa esfera ainda, nascida do Reino Mineral, dos elementos simples que aí estão desde muito tempo. Em cada estágio, o nível de complexidade aumenta. As estruturas básicas se tornam seguras, e a vida se manifesta em novas formas.

Não me considero propenso a conversões religiosas absurdas; também sempre fui crítico com a imagem do Deus-pai da Bíblia, e com a doutrina de Cristo. Para mim, é uma religião bárbara e sanguinária, baseada num Deus mesquinho e egoísta, que prega a idéia de punição ao livre-arbítrio através do sofrimento, além de espalhar o conceito de Mal Absoluto, isto é, a maldade pela maldade, e um inimigo da humanidade, Lúcifer.

Mas existem muitas outras formas de espiritualidade, formas livres e não-doutrinadas, que parecem estar mais próximas de uma compreensão sensata do universo. Pensar nessas coisas têm me trazido uma nova idéia de espiritualidade, e a sensação de pertencer à algo maior do que eu mesmo, de senti-lo pairando nos limites da compreensão. Algo pretende se revelar nos portões da névoa.

E quanto aos níveis de complexidade, da seta ascendente da matéria-consciência... tenho a louca fantasia de que ela, na verdade, forme um círculo. O caminho.